O Sonhos lúcidos - parte III

O mundo não era mais o mesmo, acho que tudo tinha se acabado. Eu e meu irmão éramos os últimos dos nossos andando na escuridão de vento gelado. O céu encoberto tinha manchas amarelas por onde nos guiavamos na estrada de chão duro. Não crescia mais nada nas terras.
Não sei dizer para onde íamos, pode ser que a gente só andava para não ficar no mesmo lugar.
Andamos até chegar num tipo de fazenda em ruínas. E ainda bem, porque meus pés doíam de pisar no chão duro e frio. Meu irmão disse para dormirmos num lugar de poucas tábuas que parecia um chiqueiro ou um galinheiro, talvez tenha sido os dois. E eu sugeri que fôssemos para dentro da casa onde estaríamos mais protegidos e aquecidos.
Mas antes que eu pudesse insistir, ele já estava enrolado nos cobertores, dormia profundamente e em paz.
Estava muito frio e ventava. Aquele lugar não tinha como nos aquecer mais que as estradas. Não podíamos acender uma fogueira por saber o que elas atraíam.
Só me enrolei bem e fiquei junto ao meu irmão. Abracei a espingarda e deixei a faca ao meu alcance. Com certeza não era seguro dormir ali, mas desligar era só o que meu corpo queria.
Momentos depois algo pegou totalmente minha atenção. De onde estávamos deitados dava pra ver uma colina à frente.
Lá um luz dourada se abriu, mas só lá. O resto do céu era escuro com riscos em forma de estrias ou veias brancas. Nessa colina, a luz dourada revelou ovelhas brancaa pastando na calmaria. Em segundos eu as vi crescerem e se modificarem para outra espécie, depois outra. Até que foram transmutadas para outra forma, que pareciam feras vistosas e carnívoras. E foram arrebatadas pela luz. A luz foi embora, o céu fechou novamente e a colina escureceu.
Dois vultos apareceram detrás da casa abandonada, os passos eram leves como felinos, certeza que já tinham feito isso milhares de vezes. Eu vi o brilho nas mãos de um deles. Sabiam que estávamos ali, o único erro foi pensar que estávamos os dois dormindo. Se não seriam nossas gargantas cortadas. Ao invés disso ouviram meu primeiro disparo. O primeiro na barriga de um e o outro explodiu a cabeça do segundo de costas. Olhei meu irmão dormindo tão profundamente, em sono tão inabalável, que não ouviu passos, não ouviu tiros e nem os gritos daquele infeliz ainda vivo com as mãos na barriga.
-Agora eu você me mata, vai ter que me matar!
-Cala boca seu lixo! Eu resmunguei.
-Me mata logo vai! Me dá outro tiro, que se não eu fico gritando e eles vêm pegar vocês. Pega eu, mas pega vocês também. Seu Filho da puta covarde. 
Eu conseguia sentir o engordurado do seu sangue quando o arrastei. O cheiro de ferro. Os olhos vidrados em mim. Ele falava cuspindo em mim.
Realmente, folhas se mexiam não muito longe de nós. O mato se sobrava na campina morro abaixo e não era pelo vento. Viveram pelos tiros e dava para ver silhuetas cinzas enormes rondando.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, afundei minhas mais em sua garganta e nunca vou esquecer daqueles olhos confusos sobre mim. O pulso dele diminuindo a cada pressão maior das minhas mãos. Seu corpo queria viver e dava pulos enquanto teve forças. Não era como nós filmes. O cheiro dele ficou em mim por todo esse tempo e nunca mais foi embora.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Queria aquele tempo aqui e agora

Sonhos Lúcidos parte IV

Sonhos lúcidos - parte I